Ontem, sem intenção, repeti algo extremamente simples que fiz na semana em que regressei a Portugal, precisamente com as mesmas duas pessoas que o fizeram comigo nessa altura: ir às compras para um jantar com amigos.
Lembro-me de, naquele dia, andar pelos corredores do supermercado tipo zombie, de nó na garganta, dores de cabeça de tentar conter as lágrimas e estômago revoltado pela ansiedade extrema em que me encontrava. Sentia-me um caco, um pedaço de nada sem absolutamente valor nenhum. O mundo tinha acabado de me cair aos pés e o tapete tinha-lhe saído de baixo (bem, aqueles clichés típicos de quem se desilude com as expectativas e as pessoas). O jantar, que podia ter sido mesmo divertido, foi passado em auto-comiseração, à espera de uma palavra de alento, de um mimo que fosse. Enfim, distraí-me a pensar no que podia ser em vez de aproveitar o que tinha ali mesmo à minha frente e que era tão bom.
Passaram-se sensivelmente dois meses, que têm sido longe de formidáveis (lágrimas, muitas lágrimas, desespero, dúvidas, confusão, auto-estima a arrastar-se pelas ruas da amargura, enfim, esses clichés de quem estava no topo do mundo e caiu até cá abaixo; emaranhados com momentos de euforia de quem acha que supera tudo num piscar de olhos - estalar de dedos não, que não sei fazer disso), e dei por mim a andar novamente naqueles corredores com uma lista de compras na mão, a sorrir, a conversar e entusiasmada com o jantar dessa noite. Não estava eufórica, não foi uma sensação momentânea acabada à noite, sozinha na cama, quando já toda a gente tinha ido embora, e substituída, uma vez mais, pelo nó na garganta, as lágrimas a queimar e o estômago às voltas (na verdade até estava, mas por razões de exageros gastronómicos). Não. Algo em mim mudou durante a semana que acabou e me fez arrancar a auto-estima do alcatrão quente para a pousar numa prateleira longe dos sapatos que queiram pisá-la. Encontrei (alerta cliché) as rédeas da minha vida, peguei-lhes e percebi que é bastante mais fácil domá-la do que aquilo que me parecia.
Estou partida, talvez até desfeita em pedacinhos. Mas acho que há uma cola para isso. Chama-se tempo e paciência, não só meus mas também daquelas pessoas que foram ficando, mesmo quando não gostavam do que viam; dos grilos falantes da minha vida.
Não sei quanto tempo demora o processo de reconstrução, mas sei que já começou.