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Sunday, 19 January 2014

Espírito crítico

Nas últimas semanas, a praxe tem sido um tema de conversa recorrente e, tal como muitos temas polémicos, arrasta fundamentalismos de quem a defende e de quem a repele acerrimamente.
A minha experiência com a praxe foi para esquecer. Ia com uma ideia interessante do que aquilo seria, imaginava um conjunto de atividades divertidas que nos guiavam na entrada no ensino superior e que nos ajudavam a estabelecer laços de amizade com gente que nunca na vida tínhamos visto e que ia partilhar os nossos dias durante os próximos anos, que, no entanto, se revelou o oposto: uma seca, sem piada nenhuma e cheia de humilhações.
Um dos princípios da praxe parece-me muito bom: somos todos iguais, não há ricos, pobres, inteligentes, burros, bonitos ou feios. Mas nunca se levado ao extremo, porque, na verdade, não somos todos iguais. Lembro-me de ter uma colega a lutar contra o cancro no pulmão e, no meio de uma data de gente que ela não conhecia, um idiota qualquer que se achava dono de um poder absurdo, perguntou-lhe se ela estava bem. Após ela ter assegurado que sim, ele atirou-lhe com um por mim até podias cair aí para o lado, que eu não me importo.
Tentaram fazer-me ver que ele só disse isso porque na praxe não pode haver preocupações, um doutor não pode preocupar-se com um caloiro. Em certa medida, compreendo essa ideia, mas uma coisa é seguir as regras da praxe, a outra é ser-se um bronco sem capacidade de discernimento.
Deixei de ir à praxe depois de assistir a cenas absurdas, de recusar sessões porque tinha aulas e tentarem obrigar-me a faltar, depois de não concordar minimamente com a praxe do meu curso e da minha faculdade, nem com o seguir cego e ignorante de todas as regras levadas ao extremo. No entanto, sei que há, noutras faculdades, praxes interessantes, feitas por gente normal, sem abusos de um poder imaginário. Sem o culto da burrice.
Mas o que me tem incomodado sobretudo é que, perante uma associação inevitável da história do Meco à praxe, haja sempre alguém que diga, sem pensar duas vezes, que as pessoas não são obrigadas a nada e que só fazem aquilo que querem.
Não é verdade e ao longo dos anos tem havido imensos casos que o comprovam. É impossível esquecer a força que tem a vontade do grupo, o facto de uma pessoa ser posta à frente de uma multidão e forçada a fazer qualquer coisa que não quer. Não é fácil dizer que não, encarar os risos, o gozo, os comentários dos outros que, unidos, são muito mais fortes do que aquele indivíduo isolado que não quer ser ostracizado.
Seja na escola, na praxe ou no trabalho, uma pessoa não faz sempre aquilo que quer. E só acredita nisso quem nunca passou por uma situação em que quis dizer que não e teve de dizer que sim, ou em que um não lhe custou alguma coisa.

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