No percurso de uma vida, o quarto passa por vários papéis diferentes e vai adquirindo novos graus de protagonismo, não obrigatoriamente numa ordem crescente. Em crianças é lá que recebemos, inocentes, os nossos amigos, é para lá que vamos fazer os trabalhos de grupo e é lá que passamos a maior parte do tempo desde que saímos da escola. É um refúgio, um escape às conversas dos adultos, aos filmes chatos que não temos autorização para mudar, e é um cúmplice das horas que deviam ser de sono mas são de conversa ou de brincadeiras silenciadas. Na infância o quarto, o nosso reino, está decorado à nossa imagem, cheio de bonecos, peluches ou miniaturas de cozinhas onde fazemos assados a fingir e os servimos à família de brincar. Há lá imensa coisa para fazer, as hipóteses nunca se esgotam: lemos, pintamos as unhas, sonhamos com o rapaz da turma que nos sorriu, estudamos, choramos, falamos ao telefone. É lá que vivemos.
É então que chegam os primeiros namorados e, com eles, a regra obrigatoriamente revoltante de os receber na sala à vista de toda a gente. O quarto deixa de ser o refúgio e passa a ser o esconderijo, o local almejado para uns beijinhos mais privados e para as primeiras descobertas a sério. É, talvez, este o primeiro momento de transição, onde deixamos de estar livremente atrás da porta do quarto e passamos a estar à escuta, atentos a se alguém chega a casa para nos ralhar por termos desrespeitado a regra.
Quando, por fim, brincar aos adultos dá lugar a uma vida adulta legítima, o quarto adquire o estatuto de santuário da vida em casal, a cama já não é sofá para as conversas com os amigos que passamos a receber na sala. Fazemos uma visita guiada à casa e passamos orgulhosamente pelo quarto, já não cheio de posteres nas paredes, nem de fotografias engraçadas ou bonecos, mas que agora é um compartimento simples, apenas com o essencial, que apresenta um ou outro quadro elegante nas paredes nossas testemunhas. Contudo, é para a sala que os fazemos entrar, fazendo, também, da cozinha local de convívio, porque já não se encomendam pizzas ou frango assado para as jantaradas, pois passámos a apreciar cozinhar e oferecer algo mais elaborado àqueles a quem abrimos a porta de casa.
Eventualmente fazemos erasmus ou emigramos e o quarto é forçosamente, contra a nossa vontade, a própria sala, como se vivêssemos num hotel sem serviço de quarto e onde somos os nossos próprios empregados. Mas ansiamos pela casa maior com uma parede, pelo menos, entre o quarto e a sala, para que o pijama, a pílula e a roupa do dia anterior não estejam à disposição da vista das visitas, íntimas ou não.
Um dia mais tarde talvez tenhamos filhos e tentaremos incutir-lhes a noção de vida familiar passada na sala e eles vivê-la-ão aí connosco, até ao momento em que a adolescência chegar e lutarmos todos pelo equilíbrio da casa.
Abrir a porta do quarto e darmos uma oportunidade ao resto da casa é um dos primeiros sinais de crescimento e de maturidade.
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