Acho que o som das rodas dos carros a passar por cima de poças de água enquanto a chuva nos dá uns minutos de tréguas é dos que mais me transportam para a minha infância, quando ia, ao fim da tarde, para as aulas de música e ficava horas enfiada no carro, por causa do trânsito, a tentar chegar ao meu destino. Ou quando ficava todo o dia de domingo metida no quarto, escuro apesar das lâmpadas todas acesas, a estudar para um teste no dia seguinte, e recuperava com uma chávena de chá ou de chocolate quente.
Agora, enquanto vejo a noite cair cada vez mais cedo e ouço o trânsito molhado lá em baixo, na rua, lembro-me, com saudades, de alguns episódios mas, estranhamente, sinto um novo conforto por saber que estou no meu sofá, na minha casa e que conquistei tudo isto.
A chuva traz alguma paz, sim, mas só até ao momento em que os carros, com os nervos em franja e com pressa de chegar, soltam buzinadelas intermináveis, independentemente de saberem de antemão que não vão adiantar nada. Aí solta-se uma energia de stresse contagiante que dificilmente passa sozinha.
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