Na cama de hospital ao lado da do meu irmão estava uma miúda de quatro anos que já lá se tinha instalado há dois meses. Sessenta dias. Vinte e quatro horas por dia a miúda vivia numa cave, rodeada de enfermeiros, médicos, miúdos doentes ou magoados que entravam e saíam e por lá a deixavam sem grande coisa para fazer. A televisão, com quatro canais e comum para todos os miúdos internados, não oferecia um grande escape à monotonia. A mãe não estava com grande paciência para ela, não sei se desde que foram para o hospital se desde antes disso. Os brinquedos que lá tinha já tinham mau aspeto, ar de sujos. E ela por lá andava, para a frente e para trás no corredor, tratava-se e tentava adivinhar o dia em que iria embora.
Mas o mais impressionante é o motivo que pôs a miúda no hospital. Em casa, onde acontecem uma grande parte dos acidentes com as crianças, esbarrou contra a irmã que levava uma panela com água já não a ferver mas ainda quente que lhe caiu por ela abaixo. Não lhe vi o corpo, mas vi-lhe a cara, que não tinha qualquer marca, menos mal.
Ainda assim, não consigo deixar de pensar que quando for mãe sou bem capaz de ter tendência para pôr uma trela às crianças, de os fechar num parque na sala, longe de qualquer perigo, de os impedir de entrar na cozinha até aos dezoito anos e de os proibir de sair à rua pelo menos até aos vinte. É que por mais cuidados que haja, por mais medidas preventivas que se tomem, há sempre um risco, por mais pequeno que seja, que pode ser o suficiente para mudar o curso da vida.
Por outro lado penso que, para contrariar essa tendência, vou tentar ser uma mãe completamente independente, com a ideia de que só expondo as crianças aos riscos é que elas se habituam a encará-los e contorná-los, que acredita piamente que aquilo que ensinou aos filhos é o suficiente para eles conseguirem seguir em frente sempre no caminho certo.
Ou, em último caso, vou ser uma mãe bipolar e muito inconstante.
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