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In other words...

Friday, 3 May 2013

Bada


Ainda agora a minha irmãzinha era uma criaturinha pequenina, faladora e cheia de confiança, que contava histórias enganadoras a quem quisesse acreditar nela (e aos outros também), que ia comigo para o colégio todas as manhãs e chegava ligeiramente tarde (isto quando não tropeçava à porta e esmurrava a cara toda), que torcia os pés a torto e a direito, que tinha uma melhor amiga diferente cada semana, que ouvia as minhas histórias quando estávamos ambas a tentar adormecer, ou que saltava para a minha cama quando ambas não conseguíamos dormir para fazermos todas as parvoíces jamais reveladas.
Ainda agora aquela piolhinha era quase uma fotocópia de mim, da mesma altura, com as mesmas feições, com o cabelo do mesmo comprimento que o meu e com os mesmos interesses e gostos, que ia e vinha comigo das aulas de ballet, que passeava comigo pela Foz ou com quem eu partilhava um gelado nos primeiros dias de sol. Ainda agora perguntavam se éramos gémeas e fingíamos que sim e que, para mais, éramos estrangeiras e não falávamos, mas compreendíamos, português.
Ainda agora dormíamos no mesmo quarto para todo o lado para que fôssemos, trocávamos peças de roupa e sapatos, andávamos as duas de aparelho nos dentes e sonhávamos conhecer dois irmãos espanhóis com quem nos casaríamos, para passarmos sempre o Natal juntas.

Mas entretanto a minha irmãzinha mais nova cresceu e ficou mais alta do que eu, foi para um curso completamente diferente do meu e passou a escolher um estilo de roupas afastado do meu. Os espanhóis lá ficaram para trás, nos planos passados da nossa adolescência, quando achávamos que os quinze anos é que eram.
Entretanto continuamos uma ao lado da outra, mas já não partilhamos o mesmo quarto, embora de vez em quando ainda partilhemos a mesma casa, quando ela decide acampar no meu colchão que já devia ter sido nomeado por ela e eu acordo de manhã e esboço um sorriso rasgado por vê-la aqui, outra vez.
Entretanto, tal como prometido desde sempre, ela vai ser minha madrinha de casamento, mas antes disso já entregou a tese e está neste momento num vestido dourado até aos pés no baile de finalistas, porque a minha irmãzinha, aquela que eu em tempos conheci através da barriga da minha mãe, vai concluir o curso com que sonhou a vida toda (pelo menos desde que pôs de parte a panca da sociedade protetora dos animais).

Não posso dizer que sou a pessoa mais orgulhosa no mundo, porque essa classificação é sempre hiperbólica e subjetiva, mas sei que o que sinto é um orgulho imenso e espero, do fundo do coração, que ela continue daqui para a frente a falar da medicina com o entusiasmo com que tem falado dela até agora.

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